Julia
São tantas emoções que é difícil começar a escrever alguma coisa.
Para começar acho que preciso falar sobre o nascimento do meu primeiro filho em 2016. Na época optei por um médico do plano de saúde pois não estava trabalhando. Ao longo da gestação não procurei muita informação embora sempre tivesse interesse pelo parto humanizado, mas na primeira consulta o médico já deixou claro que não fazia parto humanizado. Mesmo assim optei por seguir com ele por não ver outra opção. Chegando no final da gestação toda consulta a secretária dele me perguntava quando estava marcado o parto que ela precisava ligar para a perinatal para fazer reserva. Sempre respondia que não ia marcar. E embora ele tenha respeitado minha escolha de aguardar o tempo do meu filho, durante todo o período da gestação e do nascimento percebia que ele era o protagonista e eu não tinha opinião ou escolha. Acabei numa Cesária sem indicação real. A bolsa estourou numa sexta dia 11 de março as 22h. Liguei para ele e recebi a orientação de ir direto para o hospital. Eu estava calma e ainda arrumei a casa pois sabia que poderia voltar somente alguns dias depois com o Henrique. Chegando na maternidade fui examinada até então estava sem dor e estava com 1 cm de dilatação. Me colocaram para escutar o bebê e estava tudo bem com ele. Meu médico nesse momento já tinha chegado e me disse que ele não esperava mais que 12h de bolsa rota. Me deu duas opções: Cesária ou indução. Escolhi a indução e fui para o processo de internação. Seguia sem dor. Hoje acredito que já estava com algumas contrações, mas isso só percebi depois da segunda experiência. Fui para um quarto com meu marido (só podia ter um acompanhante no quarto) e o médico veio e colocou o mesoprostol na vagina e me disse “Quando você sentir alguma coisa me liga. ” Isso já eram 1h da manhã. Sentir alguma coisa é tão vago que acabei ligando para ele só as 6h da manhã. Passei esse tempo todo sem saber direito o que deveria ou poderia fazer. Tentava descansar pensando que os próximos dias seriam desafiadores com o nascimento do meu filho, afinal sabia que no máximo as 10h da manhã ele nasceria.
Foram as 5h mais solitárias da minha vida. Meu marido dormiu no sofá e eu fiquei ali naquela cama fria tentando decifrar meu corpo e pensando no que estava acontecendo. Eu comecei a sentir contrações e fiquei deitada pois não sabia se podia levantar. Ninguém veio me ver ou ouvir o bebê (descobri somente na segunda gravidez que com a indução o bebê deve ser auscultado pois pode sofrer variação no BF). O que aconteceu foi que ele chegou quase 7h da manhã e eu estava sentindo bastante contrações. Fez exame de toque e estava com 2cm. ele me deu novamente duas opções: outro comprimido e aguardar por 3h ou ir para Cesária naquela hora. Sem incentivo e apoio e especialmente sem informação, acabei indo para a Cesária sem indicação real e implorando por uma anestesia. Ao entrar na sala de cirurgia e ouvir os médicos falando sobre as coisas da vida deles e me dizendo que tinha feito o melhor para o meu bebê que a Cesária era a melhor opção, me senti fraca e insegura. Me senti uma mãe incapaz.
O puerpério foi muito difícil. Tive muita dificuldade para amamentar e sentia muita tristeza. Chorava toda noite sem conseguir dormir com o Henrique no peito por horas e chorando. Achava que nunca ia voltar a fazer alguma coisa por mim e não me sentia mãe. Demorei muito para aceitar meu filho e os cuidados com ele. Só com quase 3 meses me senti confortável em dar banho e ficar com ele no colo. E acho que só no aniversário de 1 ano que me senti mãe dele completamente.
Depois desse processo e do aniversário de 1 ano quando voltei a trabalhar, decidi que se tivesse outro filho seria diferente. Comecei a entender tudo que tinha acontecido na gestação e no parto e como isso poderia ter influenciado no meu puerpério e quanto aquilo não tinha sido uma vontade minha. Comecei a ler muito sobre criação de filhos e ver muitas questões sobre criação com apego, disciplina positiva e percebi que tudo aquilo começava no meu reconhecimento como mãe e como mulher. Percebi que o parto tinha me impactado tanto nessa transformação e queria que o segundo fosse diferente.
Procurei informação e busquei a única pessoa que conhecia que tinha tido parto normal, a Luciana que fazia dança comigo. Ela me indicou uma obstetra, mas não tive empatia por ela. Acabei deixando esse projeto quieto enquanto não tivesse realmente tentando. Seis meses depois disso, eu e meu marido decidimos que teríamos o segundo filho e íamos começar a tentar. Achei que fosse demorar, afinal a frequência que conseguíamos transar era pequena já tendo um filho. No mês seguinte estava gravida e bateu um desespero! E agora quem vai me ajudar e como vou conseguir fazer diferente! Não tinha nem um ginecologista para fazer rotina! Foi quando lembrei que na turma do meu filho tinha uma mãe que era doula e consultora de amamentação. Nunca tínhamos conversado muito, mas alguma coisa me disse para procura-la. E assim cheguei no fardo de ternura e nesse grupo de amor, liguei para a Fernanda quando eu estava com 5 semanas e não tinha falado nem para meus pais que estava grávida. Ela foi tão querida e amável que tive certeza que ela iria estar comigo na caminhada. Duas semanas depois estava na primeira roda (mesmo que somente nos 30 min finais) ainda na casa dela e entendendo melhor como funcionava o trabalho do coletivo. Ela me indicou uma GO, Ana Fialho, que também foi maravilhosa! Estava tudo encaminhado, eu tranquila participando das rodas e só anotando e adquirindo informações. E meu marido participando bastante e prometendo ser mais presente dessa vez. Só amor!!
Então teve a roda de conversa do final de ano em Niterói. Admito que quase não fui, ir cedo num domingo para Niterói depois de trabalhar a semana toda, gravida, com uma criança de 3 anos e com o marido não querendo ir foi um desafio, mas tinha certeza que precisava participar. Queria muito!! E quando ouvi os relatos aquele dia uma coisa me tocou muito! Parto domiciliar planejado! Enquanto a Iana e o marido falavam seus relatos fui me identificando e entendendo que ali estava uma possibilidade para garantir um parto como eu estava planejando com todas as informações que estava recebendo e buscando. E ver a possibilidade da participação do meu filho foi a cereja do bolo. Além de não precisar voltar para a maternidade onde tive o primeiro e talvez reviver os sentimentos ruins daquele dia.
Fui conversar com a Fernanda que falou bastante sobre essa possibilidade dos prós e contras e demonstrou bastante alegria com essa opção. Busquei algumas equipes e conversei com elas também. Demorei um tempo entendendo as possibilidades e os prós e contras. Decidi então conversar com a GO, Ana Fialho, na consulta seguinte. Ela falou com tanto entusiasmo sobre o PD mesmo sendo bem sincera quanto aos riscos e possibilidades de transferência além de deixar claro que ela não poderia trabalha como backup. Ainda demorei mais um tempo para decidir, mas não tinha volta, estava apaixonada por essa opção e decidida! Escolhi a equipe que eu e meu marido mais tivemos empatia: Ariana do Sankofa foi a nossa escolha. Foram tantos meses de preparação e escolhas. E essa última escolha foi a mais difícil: fazer um parto domiciliar. E junto com ela duas certezas: felicidade e alegria que estava fazendo a melhor escolha para mim, meu bebê e minha família e a outra certeza era que ouviria críticas. E com isso fiz outra escolha, falaria para poucas pessoas. Não queria ter que ouvir e ignorar certos comentários. Tinha certeza da nossa escolha! E estava segura que o parto seria respeitoso e do jeito que tinha planejado com essa equipe incrível.
E a gestação foi evoluindo conforme a normalidade e sem nenhum problema. Chegamos na 38 semana e estava muito cansada. Decidi parar de trabalhar ali para conseguir descansar, curtir meu filho mais velho e me concentrar no parto. Tinha medo de não ter o que fazer e ficar muito ansiosa, mas não foi o que aconteceu. Estava calma e segura. No sábado antes da minha DPP tinha uma lua cheia e estava todo mundo contando com isso. Eu queria muito que ele esperasse a próxima roda do fardo para fazer minha despedida de barriga que seria dois dias depois da DPP. Não consegui! Na sexta, dia 17/05, fomos jantar no meu irmão para conhecer o quarto da minha sobrinha que também estava chegando. Nesse dia comecei a sentir algumas contrações mais fortes, mas ainda sem dor. Cheguei a comentar com a minha cunhada, mas não falei com mais ninguém para não criar alarde. No domingo, dia 19/05, acordei achando que aquele seria meu último domingo grávida e decidi comer fora para passear. Fomos comer no Otto (restaurante Alemão perto de casa) com meus pais e minha sogra. Voltando para casa a pé senti uma gosminha sujar a minha calcinha. Chegando em casa fui ao banheiro e reconheci logo o tampão. Tirei uma foto e mandei para a Fernanda e para as enfermeiras. Não sentia dor nenhuma e nem contrações mais fortes. Durante a tarde fiquei em casa enquanto meu marido e filho foram para um aniversário de um colega do colégio do Henrique. Acho que esse momento sozinho foi essencial para me conectar com o momento que estava chegando. Tive um momento meu e fiquei vendo o que eu gostava (nesse caso foi o Altas horas com Sandy e Junior ?). Quando já eram quase 19h comecei a sentir as contrações mais fortes, mas ainda sem dor. Pensei vou comer e descansar por que pode ser que não tenha descanso por um bom tempo. Depois de comer, deitei na cama e liguei a TV no Faustão para dormir, mas não consegui. Já estava tendo contrações com bastante frequência e não conseguia relaxar com um pouco de dor (especialmente se ficava deitada). Só conseguia aguentar as contrações se ficasse andando. Nessa hora começou no programa do Faustão uma pessoa imitando Alceu Valença cantando Anunciação. Pronto era a despedida de barriga que não tive. Fiz sozinha meu momento de despedida. Senti a força de todas as mulheres do grupo e das mulheres da minha família que pariram e as que gostariam e não conseguiram. Senti minha mãe e minha vó ali me dando forças! Me lembrei de toda a preparação, das informações e das palavras de apoio de todas do fardo durante as rodas e me conectei com aquele momento.
As contrações já vinham ritmadas e com dor. Decidi contar o intervalo e duração delas. Lembro que comecei as 21h e depois de 20 min meu marido chegou. Tentei não passar desespero para ele. Ele queria conversar da festa, mas falei que não conseguia mais. Ele pediu para contar as contrações, mas já não conseguia dizer quando começava e terminava para ele. Só pedia para ele apertar a lombar para doer menos. Depois de um tempo, decidi ir para o chuveiro ver se melhorava com a água quente caindo e pedi que ele chamasse a Fernanda.
Eu não tinha mandado mensagem para ninguém. Achava que ainda estava no começo do processo e lembrava das enfermeiras falando que não as chamássemos muito cedo!
Meu marido já estava aflito e tinha mandado mensagem para a Fernanda. Mas ela disse que ia esperar eu chamá-la. Quando fui para o chuveiro e chamei por ela logo depois senti vontade de empurrar e percebi que talvez fosse mesmo hora de chamar as enfermeiras. Pedi para meu marido ligar. Quando a Ariana atendeu e me ouviu gritando logo falou que estava vindo. Depois de entrar no chuveiro as dores diminuíram e eu relaxei bastante. Me entreguei e não lembro de muita coisa. Vi a Fernanda chegando e a Ariana também, mas a Érica e a Bruna não vi quando elas chegaram. Eu nem lembrei de avisar a Érica (fotógrafa)!!
Não sai do chuveiro e foi ali mesmo que ele nasceu. As contrações estavam ritmadas e bastante intensas, mas respirava bastante entre elas e conseguia aguentar. Fiquei o tempo todo em pé com meu marido de apoio. Ele entrou no chuveiro comigo para me ajudar, me apoiar. Quando a Ariana chegou eu já estava empurrando, mas ainda tranquilo. Depois de um tempo com bastante vontade de empurrar, a perna começou a fraquejar. Pedi para as meninas se elas viam alguma outra posição que pudesse me ajudar porque achava que não ia aguentar, além de achar que precisava mudar para evoluir melhor. Tentamos a banqueta, mas não aguentei e acabei sentando no chão apoiada no meu marido com o chuveiro caindo na barriga. Foi ótimo! Deu um alívio enorme!! E as forças voltaram. Logo já sentia a cabeça do Caio e veio então o Círculo de fogo. Isso sim é dor!! Até sentir o círculo de fogo estava doendo, mas era uma dor boa, suportável e temporária. Bem como elas falam no fardo como as ondas do mar vem e vão, tinha um intervalo para respirar e recuperar. No círculo de fogo foram 4 contrações (eu acho, pelo que eu lembro) que não parava de doer. E eu queria que acabasse logo e fazia força mesmo no intervalo das contrações. Nesse momento a Fernanda e a Ariana me acalmaram e pediram para eu fazer força somente quando a contração viesse. Xinguei todo mundo! Falei palavrão! Mas quando a cabeça do Caio saiu veio o alívio e um sentimento inexplicável! É uma mistura de amor, euforia, alívio… que emoção! E logo na contração seguinte saiu o corpo. A Ariana amparou ele e logo me deu para segurar. Esse momento não tem explicação ou descrição que dê conta. A hora de ouro foi especialmente incrível por estar em casa. Poder ficar grudadinha com ele tendo todo silêncio, cuidado, paciência de todos, meu filho mais velho ao lado, do jeito dele, vivendo o momento na minha cama para nunca esquecer. Curtimos muito esse nosso tempo!! E depois o pós-parto foi incrível!! Comer uma comida de casa, acompanhar tudo que estava sendo feito com meu bebê e comigo com todas as explicações e dúvidas esclarecidas. Muita conversa e troca linda!! Foi especial!! E tudo com meu marido e meu filho mais velho o tempo todo conosco e curtindo aquele momento.
Aconteceu mais rápido que eu imaginava e hoje acho que queria ter curtido um pouco mais (brincadeira). Foi incrivelmente maravilhoso e forte como eu imaginei o período de gestação. Acho que quase tudo que mentalizei durante as vezes que pensava ou ouvia gentlebirth praticamente aconteceu. Foi rápido e eu consegui me entregar e acreditar no meu corpo. Me entregar e deixar aquele medo da gravidez anterior de lado. E como foi a participação do Henrique, meu filho mais velho, que era um dos pontos importantes para a escolha do PD. Não queria sair e deixá-lo com outra pessoa e voltar com um bebê no colo. Ele não viu o parto ou demonstrou interesse no momento, mas pode entender que o Caio estava nascendo e ver o irmão logo que nasceu. Como tudo aconteceu de noite ele estava dormindo, mas acordou quase no final do trabalho de parto. A Fernanda o amparou e mostrou onde estávamos, mas ele preferiu comer e assistir desenho. Quando o Caio nasceu pedi que o chamassem, ele foi olhou e logo voltou para o desenho. Durante a hora de ouro ficamos na cama e ele estava do nosso lado mesmo que fosse vendo desenho ainda. Viveu o momento do jeito dele! E para mim foi incrível poder estar com ele.
Só tenho a agradecer a todos que estiveram comigo nessa caminhada e me deram força sempre: Fernanda Melino e as meninas do fardo de ternura que nos passam tanta informação e apoio para fazermos nossas escolhas conscientes, as meninas do Sankofa, Ariana, Bruna e Vivi, vocês são tão profissionais e nos passaram a confiança necessária com muito cuidado e amor, a equipe Mareia, Erica, Marina e Rita, pelo olhar cuidadoso e delicado para todos esses momentos especiais de nós mulheres, a Herlane que cuidou com todo amor e carinho da minha placenta, e não poderia deixar de destacar minha mãe que foi a primeira a saber da escolha e me deu o apoio que eu precisava ouvir e soube me respeitar e entender além de cuidar do Henrique em muitos momentos para eu poder estar nos encontros e cuidar de mim nesse puerpério novamente e finalmente ao meu marido que embarcou na minha vontade e estudou e se preparou junto comigo e foi maravilhoso no durante o parto e nosso filhote, Henrique, que me deu força da forma especial dele. Foram tantas pessoas que me apoiaram mas o momento e força é tão individual e interior que chega a ser confuso escrever muita coisa. Minhas lembranças são bem vagas e confusas. Lembro pouco de ver as pessoas a minha volta. Só pensava que precisava concentrar minhas forças para trazer o Caio para o mundo. Pensava muito em tudo que tinha aprendido e no que meu corpo me dizia.